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Carlos Papafina

Pisão: promessas, atrasos e riscos para o Alto Alentejo

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por Carlos Papafina

Há mais de meio século que a barragem do Pisão é repetidamente anunciada como “a” obra transformadora para o Alto Alentejo. A própria porta-voz do Partido Socialista lembrava, em 2021, que a barragem já fora prometida por três primeiros-ministros – Mário Soares, António Guterres e Durão Barroso – sem que alguma vez se tenha saído do papel. Estudos preliminares datam de 1957, e o projeto integra hoje o “Aproveitamento Hidráulico de Fins Múltiplos do Crato”. Em 2016, todos os partidos aprovaram unanimemente recomendá-lo como prioridade no Plano Nacional de Regadios. O discurso oficial insiste em que se trata de uma infraestrutura estratégica: garantiria água potável a cerca de 110 mil pessoas, criaria novos regadios (olival intensivo, amendoal, vinha, milho, entre outros) e produziria energia hidráulica e solar.

Na prática, porém, o projeto é envolto em nebulosas. As organizações ambientalistas têm apontado a falta de transparência nos procedimentos. O GEOTA denunciou, em 2021, que se tratava de um empreendimento com raízes num projeto dos anos 40, e que até hoje não fora sujeito a um estudo de impacte ambiental nem a qualquer processo de consulta pública. Uma coligação de ONG (ANP/WWF, FAPAS, GEOTA, LPN, Quercus, SPEA, ZERO) sublinha que a documentação relevante continua indisponível e que não foram devidamente estudadas alternativas ao projeto. Em setembro de 2022, o Governo chegou a emitir uma Declaração de Impacte Ambiental favorável condicionada, mas a justiça anulou essa decisão em janeiro de 2025, por não considerar os impactos ambientais cumulativos.

Os atrasos crónicos são alarmantes. Apesar dos inúmeros anúncios e da assinatura de contratos, a conclusão da obra é permanentemente adiada. Um relatório governamental de transição, de 2024, identificava atrasos em cinco componentes fundamentais – dos trabalhos iniciais às infraestruturas de apoio – e alertava para a inviabilidade de cumprir o cronograma previsto. A própria CIMAA admite que dificilmente a obra estará concluída em 2025. Em maio de 2025, foram assinados contratos oficiais de financiamento e concessão, num investimento estimado em 222,2 milhões de euros e com prazo de execução até 2027. Contudo, a obra encontra-se suspensa devido a impugnações legais. O processo de reassentamento da pequena aldeia de Pisão – com cerca de 60 habitantes – só agora entrou em curso, exigindo a suspensão do Plano Diretor Municipal, expropriações e a construção de uma nova povoação, mas sem que se vislumbre o início efectivo da barragem.

Entretanto, agravam-se as preocupações ambientais. O tribunal considerou que o projeto causaria “danos ambientais significativos e irreversíveis”. Segundo a sentença de 17 de janeiro de 2025, o enchimento da albufeira destruiria cerca de 10 mil hectares de montado, levando ao abate de quase 60 mil sobreiros e azinheiras protegidas, e afetando 14 habitats prioritários. A Quercus alerta que serão submersos “centenas de hectares de montado”, com perda de árvores centenárias. As ONG lembram ainda que a bacia do Tejo sofre já com a exploração agrícola intensiva, responsável por 75% do consumo de água, o que contribui para a degradação dos solos, dos cursos de água e da biodiversidade. Investir em regadio num território marcado pela seca e desertificação, sem explorar soluções alternativas como a reutilização de águas residuais ou o planeamento integrado, levanta sérias dúvidas sobre a sustentabilidade do projeto.

No plano socioeconómico, o cenário também é preocupante. Apesar da promessa de prosperidade agrícola, os impactos sociais são muitas vezes esquecidos. A experiência de Alqueva é um exemplo: a expansão do regadio intensivo atraiu milhares de trabalhadores migrantes oriundos da Europa de Leste, África e Ásia. Estas populações sazonais foram frequentemente acolhidas em condições precárias, com denúncias de sobrelotação, ausência de saneamento e até trabalho análogo à escravatura. A Autoridade para as Condições do Trabalho chegou a usar essa expressão após fiscalizações em 2017. Autarcas da região reconheceram as falhas e prometeram planos de acolhimento digno, mas a realidade manteve-se. A repetição deste modelo no Alto Alentejo – num território com frágil capacidade de resposta habitacional e serviços públicos debilitados – poderá gerar tensão social, exploração laboral e informalidade no trabalho agrícola.

O paralelismo com o Alqueva é inevitável. Na altura da sua construção, prometeu-se que traria desenvolvimento rural, turismo e emprego. Contudo, os benefícios concentraram-se nas mãos de grandes empresas, com monoculturas intensivas de olival e vinha, deixando de fora os pequenos agricultores. Muitos concelhos da zona viram a sua população continuar a diminuir. Portel, por exemplo, perdeu 10% dos habitantes entre os censos de 2011 e 2021. A coordenadora do projeto Rios Livres do GEOTA afirmou que, no fim, as promessas do Alqueva desapareceram “numa nuvem de fumo”, com famílias sem terras e sem rendimento, enquanto grandes explorações agrícolas monopolizavam o uso da água.

Posto isto, a pergunta impõe-se: que ganhos reais trará o Pisão ao distrito de Portalegre? A promessa de algumas praias fluviais, já replicadas em outras albufeiras, não justifica um investimento público tão avultado nem os impactos ambientais e sociais previsíveis. O que hoje está garantido às populações é a perda de solos agrícolas, a destruição de montado e uma nova pressão sobre recursos naturais e humanos. O discurso político insiste em desenvolvimento. A história recente do Alentejo adverte-nos de que o que poderá emergir do Pisão é um espelho: a reprodução de velhas promessas incumpridas, fragilidades comunitárias e desequilíbrios ambientais. A barragem corre o risco de ser mais uma infraestrutura de betão ao serviço de poucos, e não um motor de progresso sustentável para todos.
Carlos Papafina

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Portugal

Penamacor: O Interior à procura de um futuro

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Penamacor

No coração da Beira Interior Sul, mesmo junto à fronteira com Espanha, Penamacor emerge como símbolo de um país que olha para dentro e se interroga sobre o que fazer com os territórios que, durante décadas, foram esquecidos, despovoados e subestimados. Esta vila histórica, outrora bastião defensivo de Portugal medieval, vê-se hoje no centro de um desafio que ultrapassa os seus muros: o da reinvenção.

Penamacor tem uma história antiga e marcada por guerras, vigilâncias e abandono. O castelo que ainda vigia a vila, construído no reinado de D. Sancho I e reforçado pela Ordem do Templo, é o testemunho de séculos em que a raia era linha de frente, ponto de passagem, de defesa e de afirmação territorial. Com o passar do tempo e a pacificação das fronteiras, o território perdeu centralidade militar e económica, sendo arrastado por um processo que atingiu boa parte do interior português: a desertificação humana, o envelhecimento populacional, a falta de oportunidades, o fecho de escolas, a perda de serviços públicos e a fuga de gerações para os grandes centros urbanos ou para o estrangeiro.

No entanto, Penamacor não se resigna ao declínio. Os sinais de resistência começam a emergir com mais visibilidade. O orçamento municipal para 2025, o mais elevado dos últimos anos — cerca de 23,8 milhões de euros — demonstra uma folga financeira que pode traduzir-se em investimento público estratégico. Ao mesmo tempo, o concelho começa a captar o interesse de visitantes e novos moradores, nomeadamente estrangeiros, atraídos pela qualidade de vida, pelo custo acessível da habitação e pela beleza da paisagem.

A valorização do património histórico e natural, como o castelo ou a Serra da Malcata, os programas de apoio à natalidade e à fixação de famílias, e a possibilidade de uma nova economia rural — assente no turismo de natureza, nas energias renováveis, no agroalimentar de qualidade e no trabalho remoto — são eixos em que Penamacor tenta agora firmar um novo caminho. Há quem veja neste território um espaço ideal para lançar iniciativas criativas, sustentáveis e com impacto social. Outros veem-no como refúgio — um regresso ao essencial num tempo que pede silêncio, natureza e comunidade.

A questão central, porém, permanece: como garantir que esta vontade de reinvenção não fica refém de boas intenções? Para tal, Penamacor precisa de redes, investimento e visão. Precisa de infraestruturas que permitam atrair talento e manter população jovem. Precisa de políticas nacionais para o interior que não sejam apenas declarações de intenção. Precisa, acima de tudo, de tempo. Porque o tempo é o que estes territórios nunca tiveram em seu favor: sempre com pressa de serem salvos ou esquecidos.

O que está em causa não é apenas o destino de uma vila beirã, mas a resposta à pergunta maior: pode Portugal reinventar o seu interior, e torná-lo não apenas habitável, mas desejável? Penamacor ensaia uma resposta. E talvez por isso mereça ser escutada com atenção.

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Carlos Papafina

Orcas em águas portuguesas: um dilema entre conservação e segurança marítima

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Por: Carlos Papafina

Desde 2020, as águas atlânticas de Portugal e Espanha têm sido palco de um fenómeno invulgar que preocupa cientistas, navegadores e autoridades marítimas: interações hostis entre orcas e embarcações de recreio, sobretudo veleiros. Inicialmente encaradas como anomalias esporádicas, estas ocorrências transformaram-se num padrão inquietante. Só entre 2020 e 2025 foram registados mais de 700 incidentes, dos quais cerca de 200 ocorreram em águas sob jurisdição portuguesa. Em alguns casos, os danos infligidos pelas orcas resultaram no afundamento total das embarcações. A imprevisibilidade dos encontros e a impossibilidade de reação eficaz colocam agora Portugal numa posição delicada, não apenas ao nível ambiental, mas também económico, turístico e de segurança marítima.

As orcas envolvidas nestes episódios pertencem à subpopulação ibérica — uma comunidade criticamente ameaçada segundo os critérios da UICN — e exibem um comportamento que a comunidade científica descreve como socialmente aprendido. A orca fêmea “White Gladis” terá sido a primeira a iniciar as interações com lemes de veleiros, comportamento que rapidamente foi replicado por outros membros do seu grupo familiar. As motivações não são claras. Hipóteses como trauma anterior, frustração, curiosidade excessiva ou mesmo comportamento lúdico estão em cima da mesa. Contudo, o que parecia ser um desvio passageiro tornou-se agora um fenómeno persistente e com implicações graves.

As consequências económicas já são visíveis. Empresas de charter e turismo náutico reportam cancelamentos de reservas, alterações de rotas e perdas significativas de receita. Dezenas de embarcações que costumavam incluir Portugal nas suas travessias do Atlântico passaram a optar por outras rotas, penalizando portos nacionais como Lagos, Sines ou Cascais. O prejuízo não se limita à atividade náutica. Afeta também a restauração, hotelaria e comércio associados ao turismo náutico internacional. O impacto na perceção externa é igualmente preocupante. A imprensa especializada e plataformas de navegadores alertam para os riscos de navegar junto à costa portuguesa, associando o país — ainda que injustamente — a um ambiente marítimo “hostil”.

No plano legal, o dilema é complexo. As orcas estão protegidas por diversas convenções internacionais e legislação nacional, incluindo o Decreto-Lei n.º 316/89 e a Convenção de Berna. Isso significa que qualquer tentativa de afastar os animais por meios agressivos, mesmo em legítima defesa, pode configurar infração ambiental grave. As autoridades marítimas estão assim limitadas à emissão de avisos, recolha de dados e, quando possível, acompanhamento remoto. A Marinha, o ICNF e a DGRM têm cooperado na definição de rotas alternativas e na sensibilização de navegadores, mas a ausência de uma resposta mais robusta começa a gerar tensão entre operadores económicos e agentes da conservação.

À data, não se registaram vítimas humanas. Mas com a frequência crescente e a imprevisibilidade das interações, muitos especialistas alertam para o risco real de que tal venha a acontecer. O cenário de uma embarcação pequena, com crianças ou idosos a bordo, a ser afundada a várias milhas da costa, sem socorro imediato, está longe de ser inverosímil. O mesmo se aplica à eventualidade de uma aproximação de orcas a zonas costeiras frequentadas por banhistas ou praticantes de desportos náuticos. A possibilidade de um incidente com consequências fatais deixaria Portugal perante um escrutínio internacional intenso — e sem respostas simples para apresentar.

Perante este cenário, alguns projetos de investigação têm vindo a explorar alternativas tecnológicas, como emissores de som de baixa frequência, redes de sensores e plataformas digitais de partilha em tempo real de avistamentos. Mas estas soluções, ainda em fase embrionária, carecem de financiamento robusto e de um plano nacional concertado. O que está em causa é muito mais do que um incidente biológico. É a capacidade de um país costeiro e marítimo de responder a um novo paradigma ecológico sem comprometer o equilíbrio entre conservação e economia azul.

As orcas, símbolos de inteligência e complexidade social entre os cetáceos, confrontam-nos com uma pergunta central: estamos preparados para conviver com a natureza selvagem num mar cada vez mais humanizado? Se Portugal deseja manter a liderança na preservação marinha e simultaneamente garantir segurança às suas comunidades costeiras, precisa de mais do que notas de imprensa e avisos náuticos. Precisa de visão estratégica, ação coordenada e ciência aplicada.

Porque a pergunta já não é se teremos um incidente grave. A pergunta é quando. E, quando acontecer, de que lado da história estará Portugal.

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Carlos Papafina

Bitcoin: passado, presente e o futuro incerto da moeda que quer mudar o mundo

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Quando falamos de Bitcoin, é impossível não começar pelo seu criador misterioso. Em 2008, num fórum obscuro de criptografia, surge um white paper assinado por Satoshi Nakamoto, propondo o que viria a ser a primeira criptomoeda verdadeiramente descentralizada. Até hoje não sabemos quem é — ou se foi sequer uma pessoa ou um grupo — mas o impacto da sua criação transformou o mundo financeiro para sempre.

O Bitcoin nasce em 2009, alimentado por uma promessa quase messiânica: um sistema monetário sem bancos centrais, sem governos, sem intermediários. Apenas código, matemática e a confiança numa rede distribuída. No fundo, uma rebelião silenciosa contra o sistema financeiro tradicional, que acabava de entrar em colapso com a crise do subprime.

A tecnologia que sustenta a revolução: blockchain e escassez programada

Tecnicamente, o Bitcoin é um prodígio. Baseia-se na blockchain, um registo público e imutável, replicado em milhares de computadores. Cada transação é validada por “mineiros”, que resolvem problemas matemáticos complexos, gastando poder computacional — e energia — para manter a rede segura.

Este processo, conhecido como proof-of-work, garante que ninguém pode falsificar Bitcoins ou gastar duas vezes a mesma moeda. Além disso, o protocolo define uma escassez absoluta: apenas existirão 21 milhões de Bitcoins. Nunca mais. Este detalhe aproxima-o do ouro e torna-o especialmente atrativo em cenários inflacionários.

Bitcoin hoje: entre o investimento e a fé

O percurso do Bitcoin é uma montanha-russa. De valer centavos em 2010, passou a custar mais de 68.000 dólares em 2021. Muitos compraram tarde, sonhando ficar ricos do dia para a noite, e perderam quando o mercado colapsou para valores abaixo dos 20.000 dólares. Mas o Bitcoin sobreviveu, mostrando uma resiliência quase teimosa.

Hoje, é visto ao mesmo tempo como:

Reserva de valor (ouro digital) — especialmente em países com moedas frágeis, como a Turquia ou a Argentina, onde é preferível guardar Bitcoin do que liras ou pesos.

Ferramenta especulativa — hedge funds e investidores usam-no como ativo volátil para buscar lucros rápidos.

Prova de liberdade — para milhões, o Bitcoin representa a possibilidade de escapar ao controlo estatal, à censura financeira ou mesmo a regimes opressores.

Mas continua a não ser — apesar de tudo — uma moeda funcional para o dia a dia. As flutuações são demasiado violentas para alguém querer pagar o café com Bitcoin.

O futuro: regulação, adoção ou decadência?

Aqui começam as verdadeiras questões de opinião. Para onde vai o Bitcoin?

Há quem acredite que se tornará o “standard digital global”, um novo ouro para um mundo hiperconectado. Países como El Salvador já o aceitaram como moeda oficial, experimentando as dores e os sonhos dessa aposta. Outros países ponderam regras duras para travar o uso para lavagem de dinheiro, evasão fiscal ou financiamento ilícito.

No horizonte próximo, dois desafios são críticos:

1️⃣ A regulação — inevitável. A União Europeia, os EUA e mesmo o Brasil avançam para regras claras, seja para proteger consumidores, tributar ganhos ou garantir rastreabilidade.

2️⃣ A transição energética — o Bitcoin é frequentemente criticado pelo consumo colossal de energia. Projetos para tornar a mineração mais verde multiplicam-se, mas a pressão ambiental é uma ameaça existencial.

E depois há a pergunta que todos fazem em silêncio: será o Bitcoin um esquema em pirâmide sofisticado, sustentado apenas pela fé no próximo comprador? Ou é o embrião de uma nova ordem financeira, mais justa e descentralizada?

O meu olhar: por que acredito que o Bitcoin veio para ficar (mas não como pensam)

Na minha opinião, o Bitcoin não será nunca o “dinheiro do dia a dia” que pagará cafés ou bilhetes de autocarro. Não é eficiente para isso. Outras criptomoedas ou sistemas de pagamento digitais o farão.

Mas acredito que o Bitcoin já se consolidou como reserva de valor alternativa, sobretudo em tempos em que a confiança nas moedas tradicionais oscila. Bancos centrais podem imprimir dinheiro, Satoshi não pode criar mais Bitcoins.

Também penso que o seu papel geopolítico vai crescer. O Bitcoin não é apenas um ativo — é um grito de liberdade. Pode não ser perfeito, mas num mundo de bancos centrais hiperintervencionistas e vigilância digital, a ideia de ter algo que não pode ser confiscado ou controlado não vai desaparecer.

Para o bem ou para o mal, o Bitcoin já não é só um software. É um fenómeno cultural, um movimento, quase uma ideologia. E esses são mais difíceis de enterrar do que qualquer moeda.

Conclusão: o Bitcoin é espelho e profecia

O Bitcoin é, antes de tudo, um espelho. Mostra-nos a desconfiança que temos do sistema financeiro, o medo da inflação, o desejo quase primitivo por liberdade económica. E é também uma profecia: sinaliza um futuro onde as moedas podem nascer do consenso algorítmico, não das imprensas dos bancos centrais.

Se vai cumprir essa profecia, não sei. Mas sei que, mesmo que o Bitcoin falhe, deixou sementes que mudarão para sempre a forma como pensamos o dinheiro, o poder e o controlo.

E isso, por si só, já é revolucionário.

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Carlos Papafina

Entre o apoio e o medo: a União Europeia na encruzilhada da guerra na Ucrânia

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A guerra na Ucrânia não é apenas uma tragédia humanitária ou um choque militar — é o verdadeiro teste à espinha dorsal moral e estratégica da Europa no século XXI.

1. O novo fundo europeu para reconstruir a Ucrânia: génio ou risco colossal?

A União Europeia acaba de lançar um instrumento financeiro inovador, de 220 milhões de euros em garantias, que visa mobilizar até 500 milhões de euros em investimento privado para a reconstrução da Ucrânia. Este mecanismo junta-se aos mais de 10 mil milhões de euros já prometidos até 2026, configurando aquilo que poderá ser a maior operação de “soft power” económico europeu desde o lendário Plano Marshall.

Mas há um perigo evidente: sem garantias de estabilidade política ou de cessar-fogo credível, o investimento pode transformar-se num poço sem fundo. A UE poderá ficar presa a sucessivas rondas de financiamento que, mais do que reconstruir, apenas servirão para mitigar destruições cíclicas. Ao mesmo tempo, o risco moral é claro — abandonar a Ucrânia depois de promessas tão robustas seria hipotecar para sempre a palavra da Europa.

2. A mudança táctica da Rússia e o espectro de uma escalada descontrolada

Nos últimos meses, surgiram sinais de uma preocupante “mudança das regras do jogo” em Moscovo. O Kremlin parece mais disposto do que nunca a intensificar ataques deliberados contra civis e infraestruturas críticas, sobretudo energéticas, aprofundando a estratégia de quebrar a espinha da Ucrânia pela destruição da sua base de sobrevivência.

Face a isto, aliados como a Alemanha e os Estados Unidos já analisam novos pacotes de apoio que incluem sofisticados sistemas de defesa anti-míssil Patriot. A questão é se esse reforço dissuade Moscovo ou, pelo contrário, incentiva uma resposta ainda mais agressiva.

3. O dilema europeu: enviar mais armas ou manter distância para não provocar Moscovo?

Berlim mostra-se disposta a investir em sistemas de defesa de alto custo para entregá-los diretamente a Kiev. Paris e outros capitais europeias, porém, mantêm uma cautela estratégica, receando uma retaliação russa directa que possa expandir o conflito para além das fronteiras ucranianas.

Portugal, no seio da NATO, tem sobretudo um papel simbólico e diplomático, mas mesmo este compromisso carrega peso no xadrez das alianças, reforçando o princípio de solidariedade atlântica.

A grande questão, não dita mas omnipresente, é até que ponto a Europa está realmente preparada para lidar com uma escalada que possa arrastar tropas, infraestruturas e populações do seu próprio território para o centro do conflito.

4. A ambiguidade calculada da China e o pragmatismo (eleitoral) americano

A China continua a jogar o seu jogo com calculado pragmatismo. Pequim não parece ter pressa em ver a guerra terminar, pois o prolongamento do conflito serve para fragilizar a coesão ocidental, desviar recursos dos EUA e abrir espaço para uma redefinição das regras globais onde a sua influência é cada vez mais dominante.

Já nos Estados Unidos, a aproximação das eleições lança uma sombra longa sobre o futuro do apoio a Kiev. Uma vitória republicana poderá significar um recuo dramático no financiamento militar e económico, deixando a Europa com um fardo ainda mais pesado — e potencialmente incapaz de o carregar sozinha.

Europa no espelho da Ucrânia

A Europa vive hoje um momento definidor. Não se trata apenas de enviar mais armas ou abrir mais fundos; trata-se de decidir quem quer ser. Ou assume uma estratégia unida e robusta, capaz de conter a agressão russa e reconstruir a Ucrânia como verdadeiro baluarte europeu, ou arrisca ver o conflito congelar-se e ressurgir noutras fronteiras, talvez ainda mais próximas.

Seja qual for o caminho, o preço a pagar não será apenas económico. Será moral. Civilizacional. O futuro da Europa joga-se, cada vez mais, nos campos devastados da Ucrânia — e nos corredores de Bruxelas, Berlim e Paris, onde se decide se o continente quer continuar a ser um farol de valores ou apenas um ator retórico num tabuleiro dominado por potências que não hesitam em esmagar países vizinhos para afirmar a sua vontade.

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